terça-feira, janeiro 24, 2012

e a ferritina?

chego ao consultório. a secretária me olha. penso se ela já sabe, se o médico já comentou. "trate bem esse moço, ele tem poucos meses de vida". será que ela viu os exames? não pode! e a ética médica? meus índices de ácido úrico não são assunto que se saia comentando por aí! quando sair daqui, antes de procurar um cirurgião espírita, vou ao conselho regional de medicina abrir uma queixa. volto à realidade com a moça sorrindo pra mim. piedade? "o doutor pediu pra te passar na frente". "por quê?! por quê!?", pergunto apavorado. estaria ele querendo ganhar cada segundo nessa luta pela vida que se inicia neste momento? assustada, se afastando um pouco, ela responde: "porque o paciente das quatro vai atrasar". (ela não disse "se atrasar". brasileiro não usa reflexivo). entro. o doutor sorri. outro piedoso. olha tudo. exames de sangue, de urina, ultrasom da barriga, da tireóide, teste ergométrico. "você não tem nada". imediatamente me questiono, em silêncio, se eu fiz o jejum correto nos exames de sangue. será que fiquei mesmo doze horas sem comer? e o exame de urina? será que eu fiz certo? sempre fico em dúvida na hora de desprezar o primeiro jato. não sei quantificar o primeiro jato. será que um erro no primeiro jato, e o exame te consagra sadio? é um absurdo deixar o paciente estabelecer, sem nenhum acompanhamento especializado, qual é o primeiro jato. o médico me encara. "a sua saúde é a de um rapaz de vinte anos". penso em noel rosa, morto aos vinte e três. "e a ferritina?", pergunto como quem diz "touché, eu li os exames e já procurei TUDO no google!". "isso é normal", responde. "nove em cada dez dos seus amigos devem ter isso". "não tenho amigos", cogito responder. mas tenho. e me comparar a eles não vale. é uma gente regada a uísque e gim! tônica! "você tem certeza"? ele não responde. deve ter pensado "vou receitar cicuta". "não preciso me preocupar com nada?", insisto. e ele: "você quer um remédio, não quer? então faz o seguinte: todo dia você pega um copo, enche de água e põe açúcar. e bebe um por dia. nos próximos trezentos e sessenta e cinco dias. e no ano que vem você volta". "e o diabetes?". ele bufa. numa última tentativa, peço: "você pode dar uma olhada na minha garganta. começou a doer essa semana..." "gargarejo de água morna com vinagre", corta o doutor. penso: "detesto vinagre. posso pôr molho hellmans?". sorrio. levanto. saio. da próxima vez vou fazer o check up do einstein. eles hão de achar alguma coisa.

2 comentários:

Pree disse...

Sensacional!

xuxu disse...

hahaha, love http://www.youtube.com/watch?v=Ao7KEvXCSBM